A passiflora, ou Passiflora incarnata, é uma planta trepadeira originária do sudeste dos Estados Unidos e do México, conhecida pelas suas propriedades medicinais. Tradicionalmente utilizada para tratar a insónia e a ansiedade, conquistou um lugar importante na farmacopeia francesa. A sua riqueza reside nos seus constituintes únicos, nomeadamente os flavonóides e os alcalóides indólicos. Este artigo explora as múltiplas facetas da passiflora, desde a sua história fascinante até às suas aplicações em fitoterapia, ao seu papel na medicina tradicional e aos seus efeitos farmacológicos. Abordamos igualmente as precauções de utilização e as doses recomendadas, bem como os pareceres das autoridades sanitárias sobre esta planta com inúmeros benefícios.
O que é a passiflora?
APassiflora incarnata, também conhecida como Passiflora officinalis, Liane de grenade ou Maypop, é uma planta trepadeira. Pertence à família das Passifloráceas. É originária do sudeste dos Estados Unidos e do México. É tradicionalmente utilizada para tratar a insónia e a ansiedade. É mesmo mencionada na 10ª edição da Farmacopeia Francesa.
A passiflora é uma planta perene. Pendura-se pelas suas gavinhas. As suas folhas alternas nascem num talo pubescente. Apresentam uma lâmina trilobada e lóbulos elípticos lanceolados. As flores da Passiflora são solitárias. São constituídas por 3 brácteas e 5 sépalas oblongas brancas. Existem também 5 pétalas cor-de-rosa ou púrpura. A flor é decorada por uma coroa de filamentos azul-malva. No centro, encontra-se uma coluna, o androginóforo. Possui 5 estames cor de laranja e um ovário pubescente.
O fruto da Passiflora incarnata é uma baga oblongo-ovoide, amarelo-esverdeada, comestível. A planta floresce de junho a setembro e é cultivada em todo o mundo pelas suas propriedades ornamentais e medicinais.
Ingredientes :
- Flavonóides: Maioritários na Passiflora incarnata, incluindo schaftoside, apigenina, vitexina e outros.
- Alcalóides de indole: Como o harmane, em baixas concentrações.
- Outros: Ácidos fenólicos, cumarinas, fitoesteróis, óleos essenciais, heterósidos cianogénicos.
Os óleos essenciais da passiflora incluem hexanol, álcool benzílico e outros, que contribuem para o seu odor caraterístico. Contém também 21 aminoácidos.
Na farmacopeia francesa, a droga vegetal passiflora é a espécie P. incarnata. É utilizada em fitoterapia de uma forma diferente da Passiflora edulis, que produz o maracujá. Tradicionalmente, a passiflora é utilizada como sedativo para combater a insónia, a ansiedade e as palpitações, frequentemente em associação com o espinheiro. É igualmente utilizada em banhos para aliviar o nervosismo e aplicada localmente para tratar as hemorróidas.
Um pouco de história
Quais são as principais propriedades farmacológicas das partes aéreas de Passiflora?
A investigação pré-clínica em animais sugere que a passiflora actua tanto a nível central como periférico. O extrato metanólico das folhas apresenta propriedades sedativas, ansiolíticas, anticonvulsivantes e analgésicas, atribuídas à ação combinada de flavonóides e alcalóides β-carbolínicos como a harmana e a harmina. Estes efeitos podem ser devidos a uma interação com o sistema GABAérgico. O maltol foi também associado a efeitos anticonvulsivos e antiespasmódicos. Os alcalóides também influenciam o SNC inibindo a monoamina oxidase (MAO) e estimulando a produção de serotonina.
Propriedades neuropsicológicas
A Passiflora incarnata é única no género Passiflora pela sua utilização ancestral como ansiolítico e sedativo, mas as suas substâncias activas permanecem um mistério. O maltol, um depressor do sistema nervoso central, está presente em baixas concentrações. Os alcalóides de indole, que estimulam o sistema nervoso, são citados como um dos seus componentes. No entanto, a presença de flavonóides como a crisina nesta espécie permanece incerta.
Estudos validaram os efeitos ansiolíticos da passiflora, nomeadamente na forma galénica SIPF. Uma via promissora é a da benzoflavona (BZF), descoberta por Dhawan e a sua equipa, que poderia prevenir a toxicodependência. Quando administrada com delta-9-THC, a BZF reduz os sintomas de abstinência e previne a tolerância aos canabinóides. A investigação demonstrou igualmente que a BZF previne os efeitos de abstinência associados à morfina, à nicotina ou ao álcool e é um ansiolítico eficaz sem risco de dependência.
Atividade sedativa
Em 2009, um estudo realizado em dupla ocultação e controlado por placebo revelou que 500 mg de extrato de Passiflora incarnata, tomados 90 minutos antes da cirurgia, reduziam o stress pré-operatório. Este facto foi confirmado por um outro estudo realizado em 2012 antes da anestesia espinal. Este estudo envolveu 60 pacientes com idades compreendidas entre os 25 e os 55 anos. Estes resultados foram obtidos sem afetar os testes de função psicomotora, os níveis de sedação ou os dados hemodinâmicos.
A planta actua inibindo a monoamina oxidase e estimulando a produção de serotonina. Exerce igualmente um efeito agonista nos receptores GABA (ácido y-aminobutírico). Esta ação no sistema gabaérgico deve-se em parte aos seus alcalóides indólicos (como o harmane) e aos seus flavonóides (como a crisina, a homo-orientina, a vitexina e a isovitexina). Estes compostos contribuem para aatividade ansiolítica da planta, que é semelhante in vivo à do diazepam.
Os extractos de Passiflora incarnata geram correntes GABA nos neurónios do hipocampo in vitro. Apresentam igualmente efeitos anticonvulsivantes in vivo, que variam em função do método de extração. Esta atividade depende dos receptores gabaérgicos para as benzodiazepinas e os opiáceos.
Atividade cognitiva e ansiolítica
A Passiflora incarnata melhora a memória espacial de forma dose-dependente e reduz a ansiedade. Influencia igualmente a neurotransmissão, reduzindo os níveis de ácido glutâmico no hipocampo e de serotonina cortical. Aumenta igualmente os níveis de metabolitos e a sua renovação, o que confirma parcialmente o mecanismo de ação da planta nos receptores GABA.
Um outro estudo observou ratos num ambiente com zonas claras e escuras. Com o extrato de passiflora, os ratos passaram mais tempo na zona iluminada, revelando novamente uma redução da ansiedade.
No ser humano, um estudo realizado em 2001 com 32 voluntários comparou a eficácia da passiflora e dooxazepam no tratamento da ansiedade. Os participantes foram divididos em dois grupos. O primeiro recebeu um extrato de passiflora e um placebo, enquanto o segundo recebeu um placebo e oxazepam. Após 4 dias, o grupo do oxazepam registou uma melhoria mais rápida, mas após 7 dias, ambos os grupos registaram melhorias semelhantes. A longo prazo, não se registou qualquer diferença significativa entre os dois tratamentos. No entanto, os efeitos secundários foram mais marcados com o oxazepam, nomeadamente em termos de diminuição do desempenho profissional.
Estes resultados sugerem que a passiflora tem um verdadeiro potencial terapêutico para o tratamento das perturbações de ansiedade no ser humano.
Atividade hipnótica
Após um aumento da motilidade e da atividade exploratória do sujeito durante as primeiras 3 horas após a toma da passiflora, observa-se um claro abrandamento da atividade geral, com uma componente sedativa e depois hipnótica, aumentando a duração do sono e potenciando o efeito dos comprimidos para dormir. A passiflora diminui igualmente a temperatura corporal, condição favorável ao adormecimento. Este efeito é reforçado pelaação anticonvulsivante e antiespasmódica do maltol, presente em pequenas quantidades na planta. In vitro e in vivo, o extrato de passiflora modula positivamente os ritmos circadianos induzindo ritmos de grande amplitude sem desvios de fase na expressão de vários genes do relógio circadiano.
Em 2012, foi realizado um estudo em dupla ocultação, controlado por placebo, com 41 voluntários saudáveis com idades compreendidas entre os 18 e os 35 anos. Este estudo monitorizou, por polissonografia, os efeitos de um extrato aquoso de Passiflora incarnata no sono durante 7 dias. Os resultados revelaram correlações positivas entre as percepções subjectivas dos participantes e as medidas objectivas do seu sono. Estas medidas incluíam oinício do sono ea eficácia do sono, em comparação com o placebo.
Um estudo in vivo de 2017 revelou que a P. incarnata prolonga significativamente o tempo total de sono. Este aumento resulta de um prolongamento do sono de ondas lentas e de uma redução do tempo de vigília. Por outro lado, o tempo passado no sono REM tende a ser mais curto, tanto em termos de frequência como de duração média.
Actividades analgésicas e neuroprotectoras
In vivo, outros resultados antinociceptivos e comportamentais (sedação, ansiólise) obtidos com a P. incarnata confirmam que a sua atividade pode derivar de mecanismos opióides e gabaérgicos subjacentes, podendo também envolver uma potencial ação de tipo canabimimético. Estes trabalhos mostram que a planta poderia ser útil no tratamento da dor neuropática.
In vivo, num modelo animal de perturbações do sono, foi confirmado em 2019 que a vitexina, o principal componente bioativo dos extractos etanólicos das folhas e dos frutos de Passiflora incarnata, melhora igualmente a neurogénese hipocampal, com provas de um aumento do fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF) no hipocampo e uma diminuição significativa da proteína Tau (um marcador da doença de Alzheimer) em comparação com o grupo de controlo. Estes benefícios foram acompanhados por uma melhoria da memória, medida pelo teste do labirinto aquático. Não se registou qualquer alteração do comportamento alimentar, do peso corporal, da taxa metabólica ou da composição corporal dos animais. Estes resultados identificam a passiflora como uma terapia potencial para melhorar a função da memória e prevenir a doença de Alzheimer actuando no hipocampo.
Atividade psico-comportamental
Em 2019, um estudo suíço qualitativo, exploratório e observacional examinou pela primeira vez as experiências dos pacientes que utilizam um extrato etanólico de Passiflora incarnata. Esta investigação revelou três categorias distintas de relatos biográficos de pacientes com base na sua experiência com a planta. No primeiro tipo de relato, os utilizadores descreveram uma mudança de foco. Passaram de uma vida centrada no desempenho para uma redefinição de prioridades, privilegiando a tranquilidade. Os pacientes do segundo tipo mantiveram a sua orientação para o desempenho, mas integraram uma sensação de calma. Por fim, os do terceiro tipo continuaram a centrar-se no desempenho e experimentaram uma doença persistente.
A benzoflavona trissubstituída (fração BZF) presente na passiflora mostrou resultados significativamente encorajadores na reversão da tolerância e da dependência de várias drogas psicotrópicas que predispõem à dependência, incluindo a morfina, a nicotina, o etanol, o diazepam e o delta-9-tetrahidrocanabinol.
- Ajuda à desabituação das benzodiazepinas: a fração BSF da passiflora, sem gerar dependência, reduz a dependência das benzodiazepinas, como demonstrado por estudos in vivo.
- Ajuda à desabituaçãoalcoólica: um estudo in vivo de 2017 revelou que o tratamento com álcool aumentava os limiares nociceptivos após a desabituação. A Passiflora incarnata inverteu este efeito, medido pelo teste da placa quente. Além disso, o tratamento do alcoolismo aumentou os níveis do fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF) e da interleucina-10 no córtex pré-frontal, que a P. incarnata não inverteu. Estes resultados indicam que a planta pode ser um tratamento potencial para a síndrome de abstinência do álcool.
Propriedades somáticas
Aatividade periférica da passiflora desempenha um papel crucial no relaxamento e na indução de um sono reparador. Actua como antiespasmódico muscular, aumentando a amplitude das contracções, diminuindo a sua frequência e reduzindo o tónus geral. A passiflora potencia igualmente os efeitos da papaverina e antagoniza a pilocarpina, reforçando a sua ação relaxante.
A passiflora tem um efeito calmante no coração. Propicia um aumento da amplitude e da frequência da respiração. Num estudo de quatro semanas controlado por placebo, a administração de um extrato de casca de passiflora reduziu significativamente os sintomas da asma. Os seus efeitos benéficos no sistema cardiovascular incluem a redução da tensão arterial e a regulação do ritmo cardíaco, contribuindo para a prevenção das doenças cardiovasculares. As suas propriedades antioxidantes ajudam igualmente a proteger as células dos danos causados pelos radicais livres.
No que respeita às perturbações digestivas, a passiflora é eficaz para aliviar as perturbações gástricas, as cólicas e o inchaço. Relaxa os músculos do aparelho digestivo, facilitando uma digestão mais suave e reduzindo o desconforto associado.
Em termos de apoio imunitário, a passiflora reforça o sistema imunitário, ajudando a prevenir infecções e doenças. Contendo compostos com propriedades antimicrobianas e anti-inflamatórias, combate os agentes patogénicos e apoia a resposta imunitária do organismo. Desta forma, a passiflora ajuda a manter uma boa saúde geral.
Outras propriedades
Devem ser tomadas precauções aquando da utilização da passiflora?
Como deve ser tomada a passiflora e em que dosagem?
As doses recomendadas para tomar a passiflora por via oral variam consoante a forma de consumo. Para a ansiedade, tomar 1 a 2 g de planta em 150 ml de água a ferver, ou 0,5 a 2 g de planta em pó. Este preparado pode ser tomado até quatro vezes por dia. Em caso de dificuldade em adormecer, tomar a passiflora com a refeição da noite. O tratamento não deve exceder duas semanas sem aconselhamento médico.
- Como suplemento alimentar, sob a forma deextrato vegetal fresco normalizado,extrato seco, pó ou cápsulas.
- Extrato fluido normalizado de plantas fresc as: 5 a 10 ml por dose em água.
- Suspensão integral de planta fres ca: 5 a 10 ml 1 a 3 vezes por dia em água.
- Extratofluido de mel e glicerina: 5 ml 2 a 3 vezes por dia em água.
- Tintura-mãe: 20 a 30 gotas 1 a 3 vezes por dia em água ou tisana.
- Infusão: 1 a 2 colheres de chá por 150 ml durante 10 minutos, 1 chávena 1 a 3 vezes por dia.
O que pensam as autoridades sanitárias?
A utilização da passiflora baseia-se principalmente em práticas tradicionais, apesar de estudos clínicos limitados e por vezes contraditórios. Nos animais, observou-se que reduz a tensão arterial e estimula a respiração. Num estudo realizado com 36 pacientes que sofriam de ansiedade generalizada, a passiflora revelou-se mais eficaz do que um ansiolítico benzodiazepínico. Contudo, o seu efeito diminuiu ao fim de uma semana. Em caso de abstinência de heroína, a adição de passiflora ao tratamento habitual permitiu reduzir os sintomas psicológicos. Os sintomas físicos não foram afectados.
No que respeita aos pareceres das autoridades sanitárias :
- A EMA (Agência Europeia de Medicamentos) considera “tradicionalmente estabelecida” a utilização da passiflora para aliviar o stress moderado e as perturbações do sono associadas, e recomenda a sua utilização para adultos e crianças com mais de doze anos.
- A OMS (Organização Mundial de Saúde) reconhece a passiflora como um sedativo ligeiro eficaz para a agitação nervosa, a insónia e a ansiedade, bem como para as perturbações gastrointestinais relacionadas com a ansiedade. Menciona igualmente a sua utilização em caso de menstruação dolorosa, nevralgia e palpitações de origem nervosa.
- A Comissão E do Ministério da Saúde alemão reconhece a sua utilização em casos deagitação associada ao nervosismo.
- AESCOP (European Scientific Co-operation on Phytotherapy) reconhece a sua utilização em estados deagitação, nervosismo eirritabilidade com dificuldade em adormecer.
- OsNIH (Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos) consideram “prováveis” os efeitos da passiflora nos estados deansiedade, nervosismo eagitação.
Literatura médica e ensaios clínicos
- Guerrero F.A. et al. Efeito de uma planta medicinal (Passiflora in car nata L) no sono, Ciência do Sono (São Paulo, Brasil), 2017
- Canalla C. et al, Experiências dos pacientes atribuídas ao uso de Passiflora incarnata: Um estudo fenomenológico qualitativo, J Ethnopharmacol, 2019
- Aslanagun P. et al, Pssiflora incarnata Linneaus como ansiolítico antes da raquianestesia, J Anesth, 2012
- Ngan A. et al. Uma investigação em dupla ocultação, controlada por placebo, dos efeitos do chá de ervas Passiflora in car nata (maracujá) na qualidade subjectiva do sono; Phytother Res., 2011